terça-feira, 21 de abril de 2009

NOTA DO AUTOR.


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O Ministério do Bom Senso adverte:


CUIDADO!!!... Esse blog contém textos de humor nonsense... Não é recomendado para gente chata, conservadores e moralistas desocupados.
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Criado na Oficína de Escrita da Praia Vermelha, com o apoio luxuoso da coordenadora, Eliud Guerreiro e encenada pela primeira vez, no ano de 1992, no teatro Corpo Santo - Campos da UFRJ - Praia Vermelha.

Remontada sem grandes cortes em 21 de janeiro de 2008. graças ao enganjado e querido Padre Kelder, Paróquia de São Pedro, em Jacaraipe, município da Serra - ES.
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As fotos do blog, são da remontagem que contou com a presença, segundo a PM, de cinco mil pessoas.


Obs: Texto original e sem interferência da igreja.




Contato: joaovinil@gmail.com
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1 - A PELEJA DE JOSÉ E MARIA NO PAÍS DO NHÉM, NHÉM, NHÉM...





Auto de Natal

Adaptação da Bíblia Sagrada
Autor: João Batista Santos
Dedico a Eliud Guerreiro.
Certificado de Registro ou Averbação
Nº Registro: 448.114
Livro: 841
Folha: 274

Criado na Oficina de Escrita do HD do IPUB-UFRJ - 1992


Fotos da remontagem de 2008 - Jacaraipe ES

segunda-feira, 20 de abril de 2009

2 - ABERTURA DO AUTO

Narrador - Catador de materiais recicláveis.














(Música eletrônica – Sons confusos, ruídos. Explosão de luzes coloridas)

Silêncio............ Luz somente no narrador.



















NARRAÇÃO








O mundo que Jesus encontrou ao nascer era decadente e a situação da sociedade era a seguinte:

A terra do Pau-Brasil era dominada pelas multinacionais, pelo Banco Mundial e por sucessivos decretos-lei que na maioria das vezes não representava os interesses e necessidades do povo.
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Era uma época de intolerância, violência, injustiça e muita mamata.
O povo odiava a usurpação e a impunidade, mas também não fazia nada para mudar o sistema.

E como diz o ditado:

__ “Em terra de cego, quem tem um olho é rei”, o astuto traficante de drogas, Herodes, mandava e desmandava nos morros, favelas e cidades daquele imenso País.

Muita gente esperava com a paciência de Jó, a chegada de um enviado de Deus que viria, segundo as antigas escrituras, para libertar o povo da tirania e da exclusão social.


Entre essas pessoas, havia um recém casal que morava no distante sertão de Nazaré – José, um humilde carpinteiro e Maria, uma moça prendada nos ofícios caseiros.

Numa determinada noite, quando Maria estava dormindo , recebeu através de um sonho a visita de um anjo.




(Luz suave no palco principal: anjo Gabriel – Fumaça branca)

3 - CENA DA ANUNCIAÇÃO.

Anjo Gabriel com o uniforme da escola pública e Maria


Maria dorme - Entra o anjo, fazendo manobras radicais em cima do skat.

Anjo Maria, acorde! Diz o anjo com a voz suave.

MariaQuem é você?Pergunta Maria assustada, enquanto se levanta e cobre o colo.

AnjoNão te assustes!... Pôxa, Maria?... Se liga, né?... Sou o anjo Gabriel.

MariaHããã? ... Anjo Gabriel? ... O que você quer de mim?
pergunta Maria sonolenta e forçando a vista.

Anjo GabrielVim lhe trazer um aviso do "Homem". - Aponta para cima -



Maria pertubada, olha na direção que o anjo apontou.



Maria - "Homem"?... Que homem?

Anjo Gabriel - Ora?... Se tenho asinhas brancas e sou anjo. O "Homem" só pode ser Deus, né?...

MariaDeus??... A tá!... Já entendi!... Quando se sonha tudo parece ser possível.
Diz Maria incrédula e impaciente com aquele suposto devaneio - Volta a deitar.

Anjo GabrielPerai, moça! Não é apenas um sonho... Lembra da antiga profecia?

MariaClaro que me lembro!... Só não consigo entender o que Deus, criador de todo o universo, deseja de mim
Diz Maria, menos desconfiada enquanto se levanta.

Anjo GabrielCalma, já vou te explicar: Você foi a escolhida entre todas as mulheres para conceber e dar à luz a uma criança que será o salvador do mundo.

MariaEu?... Como assim?... Acho que não tô podendodiz com surpresa.

Anjo GabrielTá podendo sim!... Tens o coração puro!... Mas através do seu livre-arbítrio, você tem o direito de aceitar ou não, essa missão divina... E ai, tá afim ou não?

Maria fica pensativa e em seguida responde:

MariaBom, se essa é a vontade divina, aceito numa boa... Olha para o público... E confesso que para mim é um privilégio ser a escolhida entre tantas Saras e Martas... Só espero corresponder de maneira correta, o desejo do Criador... Mas qual será a missão dessa criança?

Anjo Gabriel
Como já disse, ele será o salvador do mundo e virá para libertar o povo da tirania, da ignorância e da desigualdade social, entendeu?


Maria - Entendi sim, e me sinto honrada por ser a escolhida!! - Responde Maria



ANJO GABRIELÉ isso ai, Maria!... Já que a tua "ficha caiu", vou nessa, porque ainda tenho que ir brincar com os meus amiguinhos da Fundação Viva Cazuza... Fuiii!



Maria e José


NARRAÇÃO

Cena com gestos e mímica.

No dia seguinte quando José acorda, Maria lhe conta sobre a missão que Deus determinou para eles. Confuso e não compreendendo bem essa nova situação, José achou melhor se afastar de Maria e voltar para a casa dos pais.

(Coral - Bom José de Georges Moustaki)

Porém, dias depois ele também teve um sonho em que o anjo Gabriel aparece e diz que Maria foi a escolhida de Deus para ser a mãe de seu filho e que o nome do rebento será JESUS.


José acordou assustado e preocupado com a possibilidade do povo aplicar a lei vigente e apedrejar a moral e a boa índole de Maria.


Como o nosso José é um homem de bons princípios, resolveu aceitar e assumir a gravidez da esposa amada.




(Volta de José que abraça Maria e ambos saem de cena)
Narração:



Certo dia Maria saiu do sertão do Estado e foi visitar a prima Isabel, que morava na periferia da distante capital.



4 - MARIA VISITA ISABEL


(Isabel canta em múrmurio "Anunciação" (Alceu Valença), enquanto prepara o almoço. De repente entra Maria)

Maria - Bom dia, prima Isabel!

Isabel para de mexer na panela e fala em voz alta e segura, enquanto seca as mãos no avental:

IsabelBom dia Maria... Você é bendita entre as mulheres, e é bendito o fruto do seu ventre!

MariaPrima? Você foi avisada de minha gravidez?

IsabelSim! No momento que escutei tua voz, meu bebê se mexeu e senti uma enorme sensação de alegria e paz... Tenho certeza que foi a criança que falou, através de mim.

MariaEu Entendo!... Nós duas fomos abençoadas pelo milagre de Deus.

Isabel
Fomos sim! Mas quero que saiba que me sinto honrada em receber a visita da mãe do meu SENHOR.

MariaPrima, você nem imagina a sensação que sinto... O meu espírito é só alegria em amar e servir a Deus... Fico emocionada, sempre que penso que fui eu, a escolhida.

Isabel
Bem-aventurada aquela que acreditou, por que vai acontecer o que o SENHOR lhe prometeu.

Maria
Amén!

(Ave maria - Soprano)

IsabelSente-se prima e vamos prosear um pouco, enquanto preparo o almoço.

Maria Obrigada!... Estava com saudades de você e do primo Zacarias... Como ele está?

IsabelVixe, menina!... O Zacarias está radiante, com a idéia de ser pai e se não fosse a artrose e a trombose, diria que ele parece um adolescente.

Maria
Que bom!! Deus ouviu o pedido de vocês.

IsabelOuviu sim!... Você é testemunha que o nosso sonho, sempre foi ter um filho. Já tentamos até adotar uma criança, mas a burocracia e a nossa renda familiar impediu... Só mesmo a benção de Deus para me tornar mãe, apesar de ser idosa e estéril.

MariaPara Deus nada é impossível.

IsabelCom certeza!

MariaMas onde está o primo Zacarias?

Isabel
Zacarias saiu desde cedo para comprar remédios, numa farmácia em outro bairro... Já estou ficando preocupada.

Maria
Calma! Ele vai voltar são e salvo... Mas ele foi comprar medicamentos?... Por que ele não pega esses remédios aqui no posto médico?

IsabelPor que nesse posto, nem sempre tem todos os remédios que o médico prescreve.

MariaEntendo, e os remédios são caros, né?

IsabelSão sim! A nossa renda fica quase toda na farmácia... O que alivia um pouco é a profissão de cozinheira, que herdei de minha mãe. Não posso contar somente com a aposentadoria de professora e o benefício do Zacarias, é muito pouca... Não dá!!

Maria
Sei!... O primo Zacarias ainda não conseguiu a aposentadoria definitiva?

IsabelÔ xenti, vai demorar muito! ... Você acredita que ele já fez várias perícias médicas para constatar que é mudo, mas ainda continua no beneficio?

Maria
Mas o primo Zacarias é idoso e já poderia está aposentado por idade.

IsabelNão Maria! O meu Zacarias ainda é novo. Tem apenas 64 anos.

Maria - Pois é, imagina que o Zé tem apenas 25 anos e já é rejeitado em algumas entrevistas de trabalho.

Isabel - Que absurdo! A culpa é desse sistema caótico e do exemplo de corrupção e nepotismo... Agora me fale sobre você... Como está o primo José?

MariaO Zé está bem e tem planos de mudarmos do sertão, por causa das poucas encomendas que aparecem lá, na carpintaria.

Isabel
É!... No sertão do Estado, as oportunidades são poucas.

MariaÉ verdade!... Mas apesar dos percalços, somos muito felizes e agradecemos a Deus por está sempre presente em nossas vidas, através do amor.

Isabel
Pois é prima!... Não devemos nos esquecer que em qualquer situação, amar é fundamental!

Maria - Eu sei Isabel!... O amor é a manifestação mais pura de Deus... Bom, a conversa está boa, mas preciso ir embora.

IsabelAhhh... Espere um pouco, a comida está quase pronta... Vamos almoçar e leve um pouco para o José... Eu sei que ele adora a moqueca que eu faço.


Zacarias agradece a Deus.

NARRAÇÃO


Meses depois Isabel deu a luz a um menino e toda a vizinhança esperava que o nome da criança fosse Zacarias Jr.

Mas Isabel escolheu João e pediu que o pai escrevesse numa folha de papel, o nome do filho, e Zacarias escreveu:O nome dele é João”. Nesse momento Zacarias começou a falar e louvar a Deus em agradecimento, por mais um milagre. Os vizinhos se assustaram e comentavam a respeito desse estranho acontecimento.

A notícia do milagre, se espalhou e todo o País ficou pensando: “O que será que esse menino vai ser?”.


Dança do Congo

5 - OS TRÊS REIS MAGOS

Mãe Dircinha de Gasparian.


(Música: Bandeira do Divino – Ivan Lins)

Narração:





Vindos de muito longe e por caminhos diferentes, chegam a Belém três lideres religiosos que haviam recebido um aviso celestial. Eram eles:

O pastor evangélico Baltazar, a Mãe de santo, Dircinha de Gasparian e o padre Belchior.

Na praça repleta de gente, indagavam as pessoas a respeito do paradeiro de uma criança iluminada.

Entre as pessoas na praça, estava Traíra, um conhecido malandro da cidade de Belém que estava na condicional e sabendo da vinda dos forasteiros, foi colher informações e tentar tirar algum
proveito.


O pastor Evangélico Baltazar, o Padre Belchior e populares.




Pastor Baltazar Onde está o enviado do SENHOR que veio para expulsar o Satanás?


Popular 1Quem é esse enviado do SENHOR?

Padre Belchior É o rei do amor e da concórdia que está para nascer.

TraíraÉ isso mermo, mano?... Tem certeza que esse “rei” vai nascer aqui na área?

Mãe Dircinha de GasparianSim!... O pequeno Oxalá nascerá ainda hoje. Os búzios dizem e Xangô, o Orixá da justiça, confirma!

Popular 1Será que é ELE?

Popular 2É ELE sim!...
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Popular 1 - Que maravilha!... O Messias da antiga profecia nascerá aqui em Belém.


TraíraMessias da antiga profecia?

Popular 1Isso mesno! Pelo que esses três viajantes dizem, só pode ser ELE.


Popular 2Genteeee... Voces já perceberam que a Reforma Divína dessa vez, vai acontecer e que valeu a pena manter acesa a chama da esperança?... Hoje é dia de festa e alegria.
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Popular 1- Concordo!... Vamos celebrar a vinda do nosso Redentor!


Narração:

E assim todos na praça começam a cantar e a dançar em louvor de uma nova Era de libertação e transparência.

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(Música)

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Narração:



Enquanto isso, Traíra sai de fininho dos festejos e corre para avisar Herodes sobre o nascimento da tal criança.


6 - TRAÍRA E O CAPANGA




(Um dos capangas de Herodes, tenta impedir a entrada dele. Trava-se uma guerra pelo pequeno poder)

CapangaParado ai, Traíra!... Onde tu pensa qui vai?

Traíra
iiih!...Qual é meu camarada! Só vim desenrolar umas idéias com Herodes... Podi ser ou tá difícil?

Capanga
Vaza daqui, seu mané!... Dessa vez não tem caô!... Si tu tentar entrar aqui, nóis ti passa fogo.

Traíra
Cumé qui é cumpadi?... Cê sabe com quem tá falando?... Sou Traíra, o olheiro mais sagaz de toda Belém.


CapangaFoda-se! Tô te avisando: Vaza daqui agora, senão a chapa vai esquentar pro teu lado.

TraíraValeu choqui, já qui é assim, tô indo!... pausa... Mas antes vou ti mandar um papo reto, falô? Se Herodes descobrir que tu mi barrou, com as informações que trago, ele mermo te passa o rodo.

Traíra caminha para a frente do palco, sorrindo e já prevendo a reação do capanga.

CapangaPô, Qual é sangue bom?... Aqui só tô cumprindu ordi, tá ligado?

Traíra
Tô ligado, Brôu!... Só lamento você não viver pra ver a manchete de amanhã: “Corpo de Indigente é Encontrado Boiando no valão”... Cê vai ser famoso, hein?... Vai virar estatística.

CapangaHããã?... Num quero vira "istrastistisca", não!

Traíra
Fazer o quê, né?... Fuiii!...

Capanga
Ei, ei!!... Perai, Traíra!... Si é tão importanti assim, nóis dá um jeito... Cê sabe, né?

Traíra para de andar, vira-se para o Capanga e diz com ar vitorioso:

TraíraTá certo! Como hoje eu tô di boa, vou ti quebrar essa... Mas vou logo te avisando que é só hoje, hein?

(O capanga pede a permissão através do walkie-talkie e Traíra é liberado para entrar na fortaleza)

CapangaO patrão liberô... Enti! – Fala de cabeça baixa e com o olhar de raiva.

TraíraJá ééé!... Seu cagão! E caminha na direção da porta.

7 - DIÁLOGO DE TRAÍRA E HERODES

Traíra sentado no trono de Herodes



(Música: Rap ou Funk)

(Dançarinas - mulheres e homens bêbados – Traíra entra e Herodes faz sinal de silêncio)


HerodesPorra Traíra, qual é a tua?... Quantas vezes preciso te dizer que aqui é um bairro nobre, onde só mora barão e você com essa cara de pobre raquítico, vai acabar queimando o meu filme?

Traíra
Como assim, queimar o teu filme?

Herodes Ora, visitas de pessoas da sua laia, pode leventar suspeitas e a vizinhança desconfiar dos meus negócios, saco?

Traíra
Foi mal chefia, mas eu precisava vim aqui te dar um toque e além do mais é só você mandar pra vala um desses seus vizinhos bisbilhoteiro.

Herodes
Tá!... Chega de papo e desembucha logo o que está acontecendo lá morro, senão quem vai pra vala é você.

Traíra
Não é no morro é na praça.

HerodesPraça?... O que tem na praça?

TraíraSão três estranhos que estão lá desde cedo, procurando por uma criança que nasceu ou nascerá, ainda hoje por essas bandas.

HerodesPuta merda!... E daí, Traíra?... Pivete nasce que nem chuchu na serra, só eu tenho vários espalhados por ai.

TraíraMas essa criança é diferente. Estão dizendo lá na praça que ela será o verdadeiro rei dos oprimidos e que vem para banir a tirania, a injustiça e a desigualdade social.

HerodesAhhh... Isso é pilha desses babacas... Todos sabem que eu Herodes sou o único rei.

TraíraNão é pilha não, chefia! Na praça não se fala em outra coisa... O povo tá lá até agora, festejando a vinda desse tal Messias.

Herodes - Estão festejando?... Tem certeza?

TraíraClaro!... Tô vindo de lá agora.

HerodesQue injustiça!... Logo comigo que sou tão bom, distribuo panetones, protejo a comunidade e até doei algumas armas enferrujadas, para a campanha do desarmamento... Ah, não!!.. Essa usurpação eu não vou permitir... Mas diga-me onde está essa criança?

TraíraOnde está eu não sei, só consegui colher essas informações: Que ela nasceu ou nascerá ainda hoje de uma mulher do povo e que estará sempre entre os mais humildes.

Herodes
Hummm... Agora fiquei bolado!... Traga-me esses agitadores, esses falsos profetas. Eu quero negociar com eles!

TraíraPega leve Herodes! Eu senti que esses três magos são honestos e não vão querer envolvimento com traficantes.

HerodesO quê?... Tá maluco?... Cê qué morrer?
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Traíra - Calma meu rei, o que foi que eu fiz dessa vez?
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Herodes - Você me chamou de traficante.
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Traíra - Não entendi... E qual é o problema?
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Herode - O problema é que traficantes são pobres, negros e nordestinos que moram em morros e favelas.
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Traíra - Pô, desculpa ai, valeu?... Mas a maioria dos moradores de comunidades são "caxias", ralam muito e tem até a carteira fichada.
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Herodes - Isso pouco importa!... Vocês da ralé são e sempre serão diferentes de mim e da minha estirpe.
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Traíra - iiih meu rei, também não precisa humilhar, né?... Porque nóis é tão diferente de você e das suas "istripa"?
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Herodes - Por vários motivos , seu Zé ruela!... Quer saber?... Porque tenho grana, uma boa biografia e estou acima de qualquer suspeita, afinal sou um grande empresário do ramo de importação de Pó... de arroz!

Traíra
Tudo bem, já num tá mais aqui quem falô..

HerodesÉ bom mesmo!... Mas pensando melhor, quero evitar o contato direto com esses “bruxos honestinhos”... Essa gente é mandingueira e podem acabar descobrindo o meu envolvimento em distribuição de propinas e o nº da conta que tenho, lá nas Ilhas Cayman...
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Traíra -É merrmo!... Tem que ficar sempre na atividade, chefia!!
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Herodes - Faça o seguinte: Vá encontrar com eles secretamente e diga-lhes que eu quero me redimir. Diga também que eu preciso saber onde e quando nascerá esse rei para eu poder ir adorá-lo.

TraíraTá certo, mas se eles recusarem a dizer onde e quando nascerá esse muleque?

Herodes
Ah, nesse caso só me restará aplicar a "Solução Final".

TraíraHããã... Que Solução Final, meu rei?
Herodes e Traíra

Herodes Mandarei matar todos os pivetes de até 2 anos de idade.

TraíraMas e a opinião pública?

HerodesEu tenho o poder de manipular a opinião pública e além do mais o povo tem a memória curta... Lembra daquele meu amigo que era contrabandista de pedras preciosas?

TraíraLembro sim, o Abi A...

HerodesEsse mesmo!... Logo depois do escândalo das pedras preciosas, ele se candidatou e foi eleito pela maioria do povo, a deputado federal e agora a pouco tempo atrás foi nomeado relator daquela famosa CPI... Tá bom ou quer mais?

Traíra
Não sei não! A imprensa pode querer meter o pau e o povo se revoltar.

HerodesPorra Traíra, eu tenho os meus contatos nos meios de comunicações. Vou satisfazer essa sociedade que não suporta mais ver tantos pivetes vagando nas ruas e atrapalhando o visual dessa cidade... Você sabia que tem muita gente que vê no extermínio de crianças a única solução para esse grave problema social?

Traíra
Tá certo!... Mas tem um detalhe que você se esqueceu.

HerodesHã?... Que detalhe?

Diálogos forte e platéia perplexa

Traíra - De certas madame do alto soçaite... Dessas ai que vivem criando fundações para fugir do Leão, saca?

Herodes - E dai, porra?!

Traíra - E dai que elas acham o máximo frequentar chás de caridades em prol dos meninos carentes... Já imaginou se essas dondocas começarem dar chiliques e promover passeatas, regadas a caviar?

Herodes
Depois dessa onda de sequestros relâmpagos? Duvido!... Só tenho que tomar cuidado com algumas que são "do bem" e ligadas a causas sociais, mas felizmente a maioria delas irão apoiar a minha contribuição para o apartheid entre pobres e ricos.

Traíra - É, pode até ser! Mas ainda acho bom tomar muito cuidado com o poder da Mídia.

Herodes - Tô cagando pro poder da mídia... Tomara que a tv filme e exporte para o mundo as imagens da chacina, assim como fizeram no massacre do Carandiru, lembra?

Traíra Claro!... Também me lembro dos meninos da Candelária, do massacre de Vigário Geral e...

Herodes
Justamente!... Senti que agora tu se ligou na minha lógica.

Traíra Tô ligado!... Mas chefia, o que “nóis” ganharemos com o extermínio dessa rapaziada carente?

Herodes Nós não, cara pálida!... Eu sim! Ganharei mais projeção, fama e rios de dinheiro... Escreva o que estou dizendo... Serei sucesso internacional... pausa... Ah! Já estou até vendo o mundo inteiro aplaudindo, Herodes, O Grande!... Agora vaze daqui, seu merda, vá negociar e convencer aqueles três otários, dos meus bons propósitos.


(Traíra sai e começa a dança e a bebedeira. Herodes irritado, ordena a saída de todos e fica pensativo, enquanto alisa a barbicha)





8 - A PARTIDA.


NARRAÇÃO

Enquanto isso, num determinado dia, corre pelo sertão de Nazaré a notícia que uma multinacional com sede na distante cidade de Belém, está selecionando profissionais da construção civil para trabalharem numa obra faraônica. José que é um exímio profissional da carpintaria, não quis perder essa oportunidade rara. Consegue logo carona na boléia de um caminhão e corre para avisar Maria que ele partirá ao anoitecer, mas Maria se recusa a ficar no sertão, sem a presença dele.

( Enquanto José arruma a mala, Maria enche de água , o velho filtro de barro)

MariaSabe Zé?... Te admiro muito.

JoséÉ mesmo?... Por quê?Pergunta José sorrindo.

MariaPor tudo. Principalmente por tua determinação e força de vontade... É lamentável saber que muitos homens de bem, cruzam os braços, enquanto aguardam a providência divina e se esquecem que Deus já nos deu as ferramentas necessárias.

José
É verdade! Deus sempre proverá no momento oportuno, mas como diz o ditado: "o importante é ir a luta e pescar o peixe".

MariaIsso mesmo!...
(José, apressado, joga as roupas na mala e Maria resolve ajuda-lo)
Maria - Calma homem, deixe que eu arrumo procê... Mas por quê tanta pressa, hein?... Afinal, a que horas "iremos" partir para Belém?

JoséNão Maria! Nem pense em me acompanhar, a viajem é longa e você está grávida.

MariaZé, esses processos de seleção de trabalho costumam demorar muito e eu não quero dar a luz ao nosso filho sem a tua presença.

JoséMeu amor, essa viagem pode te fazer mal e eu não quero sacrificar nem você e nem o nosso filho... Eu só quero o bem estar de vocês.

Maria
Eu sei, mas o nosso melhor é ficar do teu lado, além do quê a gravidez não é doença... Veja o exemplo de minha prima Isabel que teve uma gestação de alto risco, por causa da idade avançada e no entanto o Joãozinho nasceu forte e saudável.

José - É!... Engraçado!?... Deixa pra lá!

Maria - ?... O quê?
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José - Nada não... É que sinto uma sensação de leveza e de paz, quando brinco ou estou perto do Joãozinho.

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Maria - Eu também sinto a mesma sensação e tenho certeza que essa nova geração, incluindo o nosso filho, está vindo para revolucionar o nosso comportamento em todos os sentidos.
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José Bom, tá na hora e já que você faz tanta questão em me acompanhar, apesar das privações, vamos embora logo, senão perderemos a carona.


NARRAÇÃO
Assim o jovem casal viaja para Belém, de carona na boléia de um caminhão.

(Música de retirantes, tipo Asa Branca)



Narração

Ao chegarem na cidade grande, José procura logo um quarto, um cômodo para abrigar a esposa, mas os aluguéis estavam muito caro e quando achavam um com o preço razoável, o proprietário pedia um fiador que possuísse dois imóveis ou então um depósito de três meses adiantados.


Já era tarde quando o casal chegou na praça. Maria sentou-se no banco exausta e sentindo que o bebê estava preste a nascer.

9 - NA PRAÇA

(Sentados no banco)
Maria Zé, acho que está chegando a hora do nosso filho nascer.

JoséTem certeza?

MariaTenho sim, Zé!

José
Calma, fique tranqüila. Aqui perto de ter alguma maternidade.

(José olha para os lados, levanta-se e vai pedir informações a uns populares idosos, que jogavam dominó)

JoséCom licença! Vocês podem me informar se tem alguma maternidade, aqui perto?

Popular 1 - Maternidade não, meu filho... Mas tem a clínica do Dr. Marcelus.

Popular 2
Aquele que se candidatou a vereador?

Popular 3 Vixe! É ele mesmo!

JoséOnde fica essa clínica?

Popular 1Fica a dois quarteirões, depois daquele viaduto.

Popular 3Mas é melhor vocês não irem lá... Vão perder tempo!

Popular 2Hã?... por quê você está falando isso pro moço?

Popular 3
Ué? você não se lembra? Esse tal de Dr. Marcelus perdeu nas eleições!
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Popular 2Uai sô, esse trem não tem nada a ver! O Dr. Marcelus é um homem bom. Eu e toda a minha família votamos nele e acho que ele não vai se recusar a atender essa mulher.
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Popular 1 - Bati nas duas pontas... Ai ó!

Popular 2 - Viu só, ele bateu... A culpa é sua.

Popular 3 - Minha?... Eu hein?... Você tá é gagá.

Popular 2 - Hãã??... Gagá é você... Seu fraldinha!


José deixa os velhinhos jogando e discutindo. Apoia Maria pelos braços e os dois caminham devagarzinho na direção da clínica.

MariaZé!!

José
Calma Maria, estamos quase chegando.


Ao chegarem na clínica, a recepcionista está falando no telefone e examina com o olhar de desdém, os trajes do humilde casal.

10 - NA CLÍNICA PARTICULAR

Atendente no telefone - José meio impaciente, deixa a Maria sentada na poltrona e se dirige até a mesa da Atendente.
Atendente - Ihhh... Dona Floripes, a ligação está péssima, fala mais alto, porfavor! Mas a receita é essa mesma que eu falei, anotou?... 3 gemas peneiradas, 1 colher de sopa de manteiga, 1 lata de leite condensado...

JoséDona, a minha esposa está para dar a luz.
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Atendente - Ora, meu senhor!... Que falta de educação, hein?... Você não está vendo que estou ocupada?... Aguarde um momento, por favor!... Volta a conversar no telefone... Onde foi que eu parei, dona Floripes?... Ah sim!... Anote ai: Chocolate (ouro branco) picado à vontade, 3 claras, 1 lata de creme de leite sem soro... Hã?! Não dona Floripes, a cassata é fácil de preparar... Quer que eu repita a receita?

José - Senhora é urgente!

Recepciopnista - Já vou!... Diz com rispidez e volta falar baixo no telefone, para o José não escutar.. Alô dona Floripes, infelizmente vou ter desligar, tem um pessoal estranho aqui na clínica, pode ser assalto, sei lá!... Não, pode deixar...Não se preocupe dona Floripes, eu sou da igreja "Deus Não Perdoa", pago o meu dízimo em dia e por isso ELE tem a obrigação de me proteger, além do mais já comprei o meu terreno no céu... Tchau dona Floripes, diga para o Almirante Damaceno que eu marco a consulta a hora que ele escolher. Beijos! Desliga o telefone.

José - A minha esposa já começou a sentir contrações.


RecepcionistaO senhor é médico por acaso?... Me entregue a carteira de identidade e o cartão do convênio médico. Diz a recepcionista, irritada e sem olhar para o José.

JoséMas por enquanto, não tenho nenhum convênio mé...

RecepcionistaEntão, nesse caso, o senhor vai ter que pagar adiantado.

JoséTudo bem! Tenho uma economia de mil reais e...

RecepcionistaIsso é muito pouco. Não dá!

JoséQuero falar com o Dr. Marcelus.

RecepcionistaNão pode! Dr. Marcelus está ocupadíssimo, tirando um cisco do olho de Dona Margot.

José
Não acredito! A clínica é grande, deve ter vários médicos.

RecepcionistaO senhor é surdo? Já disse que não dá!... Por que você não leva a tua esposa para um Hospital Público?

José achou melhor não perder tempo e seguir os conselhos da recepcionista.

11 - NO HOSPITAL PÚBLICO

A fila do Hospital Público.

Maria Zé, a fila está enorme.

José
Vai dar tudo certo, fique aqui na fila, enquanto vou providenciar a internação.

(José vai até o guichê falar com a Atendente que está distraida, tentando acertar com o cata-moscas, os insetos que estão sobre o balcão)

JoséMoça, a minha mulher está quase dando a luz, lá no final da fila.

Atendente - Companheiro, estamos atendendo em regime de greve. - Diz enquanto tasca um adesivo da CUT na blusa de José.

José - Bom, se tem fila é porque tem médicos e vaga nos leitos... Menos mal!

AtendenteMeu amigo, a maioria dos profissionais da saúde pública, estão por ai nas ruas, reivindicando o reajuste salárial e melhores condições de trabalho... O único médico na casa, só atende casos urgentes e só teremos vagas nos leitos, daqui a quinze dias.

JoséMas isso é um absurdo! O caso da minha esposa é urgente.

Atendente
Sinto muito, mas aqui no hospital está cheio de casos urgentes... Olhe ao redor.

José olhou e viu pessoas baleadas, idosos, macas nos corredores e outras gestantes.

Os pacientes começam a reclamar contra o abandono e a falta de assistência.

Maria passa mal no final da fila

José ampara Maria pelo ombro e saem desiludidos... Na caminhada do casal até a praça, sugiro a música de Vinícius de morais - A Rosa de Hiroxima.

12 - A NOITE E O MENINO DE RUA


Maria e José voltam para a praça e sentam no mesmo banco.
Ao lado do banco, estava um menino de rua, enrolado no cobertor e ao longe um casal de moradores de rua, brinca com um cachorro.


Menino de ruaTio, me dá um real?

JoséLamento, me roubaram a mala e o pouco dinheiro que tinha.

MariaMas temos esse sanduíche
– Maria tira da sacola um pão com mortadela e dá para o menino comer.

José - O que você está fazendo na rua?... Vai pra casa menino, já é tarde!

Menino de Rua - Não posso, morava na favela do Galo com a minha vó, mas agora ela tá presa e eu fui expulso da favela.

José - Lamento!

Maria - E porque a sua vozinha está presa?

Menino de Rua - Por causa de quê, ela "robô" um pacote de macarrão no mercado.

Maria - Sinto muito!... Mas não se preocupe, em breve ela estará solta.

Menino de Rua - Não tia, ela vai "puxar" uns 5 anos de cadeia.

José - Que absurdo!... Enquanto isso os criminosos de alta periculosidade estão por ai, soltos.

Maria - A lei do homem é falha, mas a de Deus não... Vou vibrar por sua avó e... Nesse momento Maria senti dor... Ai!!... O bebê quer nascer... E agora Zé?... O que faremos?

JoséCalma! Vamos encontrar uma solução.

MariaCom certeza!... O nosso filho não pode nascer ao relento.

O menino que comia o pão, escutava a conversa e resolveu opinar:

MeninoTio, o meu mano faz avião pro Herodes... Se quiser eu falo com ele...

José
Não!!! Isso nunca.

Maria Herodes está muito doente e enquanto ele não se redimir, todos devem se afastar dele, inclusive você e o teu irmão.

Menino de ruaO quê?... Se redimir?

MariaSim, pedir perdão, se perdoar, entendeu?

Menino de ruaA tá, tendi!...
Pausa... IIhhh tia? Vai ser muito difícil o Herodes ficar bonzinho... É ruim, hein?

Maria É difícil sim, mas não é impossível... Todos nós carregamos a centelha divina e Herodes, cedo ou tarde, vai encontrar o caminho da luz?

Menino de rua
É mesmo, tia?

Maria - Sim!...
Você sabia que o nosso destino é evoluir sempre, até chegar no patamar da angelitude?

Menino de ruaSabia não!... Poxa, que legal!!!


Enquanto Maria palestrava com o menino, José permanecia pensativo, procurando encontrar numa solução para esse problema. De repente ele fala:

JoséMeu amor, tive uma idéia
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Maria - Qual?
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José - Poderíamos procurar ajuda através da mídia... Sabe? Existem programas vespertinos que vivem em função disso.

Maria Não, Zé... Jamais!
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José - Ora, porquê não?
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Maria - Isso vai contra a ideologia divina.

José Poxa Maria, Deus entenderia que o nosso momento é de aflição.

MariaZé, você é um bom homem. Não se iluda e lembre-se que uma das missões do nosso filho é acabar com o artificialismo desnecessário. O nascimento dele não deverá estar ligado ao consumo.

José fica pensativo e senti vergonha de ter sugerido essa saída.

JoséÉ mesmo! Você como sempre está certa! O sensacionalismo e a comercialização, não estão nos planos da criança iluminada e eu também não quero que o nosso filho nasça patrocinado pelo tempero Arisco.

Cena com gestos e mímicas.

O menino de rua percebendo o dilema, levanta e vai falar com os moradores de rua.
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O casal de pedintes prende o cachorro no carrinho de catar papelão e saem apressados na direção de José e Maria... O menino de rua tira o cobertor que o agasalhava e cobre Maria e assim forma o manto de Nossa Senhora.


(Os cinco saem de cena)


(Coral)